Hiroki Osaki come oitocentas porções de ramen por ano e gerencia a Ramen Data Bank, um monumental banco de dados sobre ramen, que no Japão é claramente algo sério, apesar de, segundo Osaki, “não ser um prato japonês, é um prato da cozinha mundial”. No Japão – onde há 24.000 ramen-ya, sendo 5.000 apenas na capital, Tóquio – dedicaram ao ramen pelo menos três museus, inúmeros mangas (como Ramenman), animes, filmes (de Tampopo a The Ramen Girl) e livros. Aparentemente, um alimento simples – macarrão de trigo, cozido em um caldo de carne ou peixe, com carne ou peixe, guarnecido com vegetais e temperos – tornou-se o prato nacional japonês e um vício irrecusável para o qual as pessoas, escreve Michael Booth, “recorrem quando desejam se aquecer e se perder na contemplação de uma tigela sem fundo”. Naturalmente, o livro de Booth, Sushi and Beyond, foi adaptado para uma série de anime, enquanto o ramen, provavelmente mais barato e substancial do que o sushi, desde os anos 50 passou de um alimento de rua a uma instituição nacional, com sucesso em todo o mundo.
Apesar de ter se tornado um embaixador do Japão no mundo, o ramen é – um pouco como a pizza kebab – um prato mestiço, de fusão, que desde os anos 30, quando alguém teve a ideia de misturar macarrão de trigo (chinês) com caldo (japonês), une as duas principais potências do Leste Asiático. Não é exatamente o caso de falar de união – afinal, de 1937 a 1945 os dois países travaram a Segunda Guerra Sino-Japonesa, que só terminou com a rendição do Japão – embora o ramen tenha facilmente cruzado a fronteira, originário da China e quase mil anos depois se tornando um ícone da cozinha japonesa moderna. O debate está, de fato, na origem da massa – inventada pelos chineses e trazida para a Europa por Marco Polo em 1295, ou autóctone da região do Mediterrâneo? – mas a origem dos noodles parece inequivocamente chinesa (pelo menos, produzida na China há mais de 4.000 anos), enquanto os noodles instantâneos que você encontra no supermercado foram inventados pelo taiwanês (pelo menos, nascido em Taiwan sob o colonialismo japonês) Momofuku Ando em 1958 e, assim como o sushi, o sakê e o matcha, são embaixadores legítimos da cozinha nipônica. Além disso, em 2015, pela primeira vez, um ramen shop (Tsuta de Sugamo, ao norte de Tóquio) recebeu uma estrela Michelin.
Em The Untold History of Ramen, George Solt – professor associado de História Contemporânea Japonesa na Universidade de Nova York – conta como “o ramen se tornou um símbolo internacional da habilidade cultural da cozinha japonesa”. Os noodles, importados no início do século 20 pelos imigrantes chineses dos portos de Yokohama, Hakodate e Nagasaki – os primeiros a se abrir após o isolamento do Japão, que começou em 1641 e terminou em 1853, quando o comodoro Matthew Perry forçou o país a se abrir ao comércio internacional – eram vendidos como prato popular em restaurantes. Sua popularidade cresceu com o fim da Segunda Guerra Mundial e a ocupação americana (até 1952), quando o Japão não pôde contar com as colheitas de arroz comprometidas pelo conflito e dependia das importações americanas de trigo e banha, que, junto com o alho, se tornaram uma “comida de resistência”, como os gyoza e o okonomiyaki, a “pizza de Osaka”: todos alimentos energéticos e ricos em carboidratos. A reindustrialização do Japão nos anos 60 também passou pelos ramen-ya e izakayas que surgiram como cogumelos e alimentaram os trabalhadores da construção civil envolvidos na reconstrução do país. Nos anos 80, o ramen, de comida popular que era, se vestiu de artesanal e sofisticado. Sobreviveu à estagnação econômica do final do século 20 e se firmou na cozinha japonesa, apesar de ser em parte… chinês.
Uma tigela de ramen é composta principalmente por quatro partes. Existem o caldo, o tempero, os noodles e as coberturas. O caldo pode ser mais leve (chintan, à base de frango) ou mais espesso (paitan, como o tonkotsu, à base de porco). O tempero é a tare, um concentrado salgado rico em um aminoácido (glutamato monossódico) que induz o umami, o chamado “quinto gosto” – isolado em 1908 pelo químico Kikunae Ikeda, da Universidade de Tóquio, que estudava o caldo de algas: é o quinto gosto depois do salgado, do doce, do ácido e do amargo – e, como o ramen é um prato regional, em Tóquio usa-se como tare o molho de soja, enquanto em Sapporo usa-se o molho de missô. Sobre os noodles já falamos – cuidado com os kansui, os sais alcalinos (carbonato de sódio ou de potássio) que servem para regular a acidez e deixam a massa amarelada –, enquanto as coberturas são as mais diversas e variam desde o chashu, o porco assado chinês, até o negi, o cebolinho cortado finamente, do menma, o bambu em conserva, até alga nori, brotos de soja, ovos marinados. Naturalmente, a complexidade aumenta na medida que cresce. No livro Ramen, o chef nova-iorquino Ivan Orkin compartilha, por exemplo, sua meticulosa receita de trinta e oito páginas. Se tiver interesse, pode encontrá-la lá.