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100 melhores hambúrgueres de São Paulo: conheça os nomes por trás do ranking viral

O professor de cursinho pré-vestibular e o consultor de empresas que redigem as críticas gastronômicas mais engajadas do Instagram sem aceitar uma publi em troca

Ilustração: Eduardo Kerges

 

Se você esteve online nos últimos meses, deve ter se deparado com o ranking dos cem melhores hambúrgueres de São Paulo, um acontecimento viral que extrapolou as redes e ganhou as ruas. Publicada em janeiro como colaboração entre os perfis @ocriticoantigourmet, @gastronomium e @tasterbr, a lista causou rebuliço. Por seis meses, um grupo de dez pessoas, incluindo três críticos gastronômicos e sete amigos entusiastas da comida, embarcou na empreitada de provar cem hambúrgueres, pagando do próprio bolso. Todos os candidatos foram avaliados segundo metodologia exposta logo no primeiro post: presença da salada, equilíbrio do molho, qualidade do queijo, apresentação, textura do pão e o protagonismo da carne. Cada quesito foi pontuado em uma planilha do Excel para a obtenção do resultado.

Entraram na lista opções de rede como “Bob’s” (e seu surpreendente 29° lugar) até queridinhos de “foodies” paulistanos como o “Z Deli” (nono com a filial “Z Deli Sandwiches” e terceiro com o recém-inaugurado “Z Deli Restaurant”). Em primeiro lugar, ficou o hambúrguer do “Chimichurri Parrilla”, restaurante especializado em carnes, em Pompeia, bairro da zona oeste de São Paulo. Em último, a opção da rede “Madero”. O “Holy Burger”, no centro paulistano — que havia recebido em 2024 o título de quarto melhor hambúrguer do mundo de acordo com a lista sueca “The World’s Best Burgers”, do site “Burgerdudes” — ocupa apenas o posto de sétimo favorito da cidade.

“O ranking só teve tanto impacto por causa da credibilidade que construímos ao longo do tempo com a nossa comunidade. A maioria das hamburguerias reagiu mal. Teve até ameaça física”, conta Marcus, que prefere não compartilhar o sobrenome e assim permanecer anônimo. Ele é a caneta por trás do egastronomium, que soma 150 mil seguidores no Instagram. Nascido em Marília, tem 52 anos, vive em São Paulo desde os 11 anos e conta que a família tinha o paladar “enjoado”: “Comíamos sempre as mesmas três coisas”. Fã de cinema, viu o interesse pela comida japonesa crescer após assistir ao filme “Cassino”, com o ator Robert De Niro se deliciando no restaurante “Nobu”. A partir dali, muito do dinheiro que ganhou no trabalho foi revertido em viagens e aprofundamento no hobby gastronômico.

Em 2007, começou a descrever suas experiências em um blog. Na pandemia do coronavírus em 2020/21, criou o @ que se tornaria sucesso. Para ele, existe um tabu em relação à crítica gastronômica no Brasil: “O segmento não quer ouvir a gente. Ninguém fala sobre o que pode ser melhorado. As premiações são enviesadas e qualquer comentário negativo é visto como um ataque pessoal”, diz.

“Não concordo com a máxima de que gosto não se discute. Claro que se discute. Há diferença entre paladares e entre produtos que são bons ou ruins.”

Esses são valores compartilhados com outro colega de crítica digital — um pouco menos anônimo do que ele. Ian Oliver, de 36 anos, professor de curso pré-vestibular, leciona português para adolescentes prestes a ingressar na faculdade. Ele é o nome por trás do @ocriticoantigourmet. Fora da sala de aula, dedica-se às buscas para os mais de 170 mil seguidores engajados na página.

“A crítica era restrita à mídia impressa, que cultivava uma relação de compadrio com os restaurantes. Eu queria alguém que me indicasse com franqueza as experiências de que gostou. Claro que paladar é algo subjetivo, mas buscava essa afinidade editorial.”

Formado em Letras pela Universidade de São Paulo e em Gastronomia por Le Cordon Bleu, Oliver aponta como motivação a frustração alheia: “Sentia muito a dor das pessoas de passar um mês ou dois economizando uma grana para ir a um restaurante e sair frustrado com a experiência”. Conforme ganhava dinheiro, começou a explorar gastronomia mundo afora. Em 2019, abriu o perfil com o material que já tinha.

Avesso às práticas de engajamento sugeridas pela Meta, Oliver não faz vídeos, importa-se o mínimo necessário com a qualidade das fotos e se aventura a explorar um território limitado nas mídias sociais: o do bom texto. Usa da proficiência na língua para redigir legendas longas e fidelizar o público por meio de um tom afiado, respaldado na franqueza do estilo. Falar mal com argumentação e estratégia pode atrair o público que se interessa pelo conteúdo que produz. Age de modo independente. Não aceita convites para comer de graça, não faz publicidade nem se considera um integrante do círculo social gastronômico. “Não me exponho, mas não me escondo.”

A solução para dar continuidade ao lado crítico foi montar cursos de gastronomia. Já são mais de 1.500 alunos presenciais no curso Sensorial na Prática, que se propõe a aprimorar o paladar dos participantes (os módulos também estão disponíveis online na plataforma Hotmart, por R$ 299). Oliver ministra também um curso de vinhos — com mais de mil alunos —, além de organizar grupos de viagens com roteiro gastronômico para destinos como França e Itália.

Entre tantos afazeres, há a organização dos rankings, claro, tipo de conteúdo que dá fôlego para todo o resto. As postagens dos cem melhores hambúrgueres, por exemplo, publicadas diariamente, partindo do centésimo até o primeiro, tiveram em média 2.000 comentários por publicação. O mais comentado foi o que revelou o ranking do 100° ao 83°. “Os piores engajam por serem imprevisíveis; para os melhores, não há tanta surpresa”, opina Ian.

Marcus vê o sucesso da lista como um divisor de águas. O ponteiro mexe quando os estabelecimentos acatam a crítica. “Teve lugar que me escreveu dizendo que trocou o fornecedor de pão depois da nossa avaliação; outro que não sabia da melhor ordem de montagem do hambúrguer e mudou o processo. Eles nos agradeceram. Esse é o objetivo do nosso trabalho: reeducar o público e os estabelecimentos para melhorar o segmento como um todo”, conta.

Agora já pensa na lista das cem melhores pizzas! “A resposta mais importante para mim é quando alguém fala: ‘Obrigada, antes de você eu comia mal’.”