Em seu estúdio no bairro paulistano da Pompeia, Humberto Campana faz uma observação insólita logo no começo da entrevista: Alice, nome de sua “segunda mãe”, é um anagrama de Célia, a mulher que deu à luz os irmãos Campana. “Nada é por acaso”, ele argumenta, lembrando que no Parque Campana, inaugurado em outubro do ano passado, um pavilhão de piaçava, um dos materiais mais caros aos irmãos, leva o nome da hoje octogenária Alice de Oliveira.
“Alice era minha segunda mãe. Minha e do Fernando”, diz. “Eu passei a minha infância com ela. Foi uma história linda, no sentido da alegria, generosidade de alma, do afeto. Ela mora num sítio lindo, à beira de um rio. Ela fazia de um tudo para mim: pastéis de queijo, pudim de leite, doce de laranja, de manga. Eu adorava doce.”
Alice de Oliveira é uma das personagens do documentário We the others, dirigido por Francesca Molteni e Maria Cristina Didero, e que estreou em 2024 durante o Salão do Móvel de Milão, em celebração aos 40 anos de trajetória dos Campana. Em depoimento para o filme, Alice conta que os irmãos eram muito amorosos e inteligentes, e que “dava para perceber que fariam grandes coisas”.
Quando rodou o documentário, Fernando já havia partido. Em São Paulo, Molteni se comoveu com a maneira apaixonada e incansável com que Humberto trabalha. “Foi impressionante vê-lo chegar todas as manhãs ao ateliê, com muita vontade de fazer, de desenhar, de trabalhar com seus colaboradores, de colocar a mão nas obras durante o processo de criação. Uma concentração incrível, que nos inspirou”, diz.
A diretora também foi a Brotas, “o lugar da infância”, visitou o Parque Campana, “uma dádiva para a comunidade onde cresceram”. Emocionou-se ainda com o trabalho do Instituto Campana, “seus projetos com a comunidade e com as pessoas mais vulneráveis”.
As recordações da infância e adolescência têm sido recorrentes no dia a dia de Humberto, desde a morte de Fernando, em 2022. Há lágrimas e nostalgia, mas também criatividade e engenho, que ecoam uma espécie de ausência-presença, de natureza não necessariamente metafísica, do irmão, companheiro também de quase 40 anos de carreira de irrefutável êxito, que alçou o design brasileiro contemporâneo à fama internacional em 1998, com uma poltrona feita de cordas e estrutura de aço e alumínio, a Vermelha, editada pela manufatura italiana Edra.
Os ecos de Fernando repercutiram também na exposição Eu escuto, que esteve em cartaz na Galeria Luciana Brito até dezembro do ano passado. Ela reuniu mais de 20 trabalhos então inéditos, feitos com materiais recorrentes na prática do estúdio, como bambu – numa estante e em parte de uma luminária – e o adobe – presente num armário e numa estante –, que evocavam a natureza da cidade Brotas, no interior de São Paulo, em que Fernando nasceu e ambos cresceram. Em um texto sobre a exposição, diz Humberto:
Esse período de dois anos exacerbou meus sentidos de maneira muito profunda. O silêncio e a reflexão sobre o aprendizado da história que tracei com Fernando me mostraram que, essencialmente, aprendemos a ouvir um ao outro. Não necessariamente em concordância, porém sempre abrindo espaço para o olhar de cada um. Hoje, eu posso dizer que continuo ouvindo e aprendendo com ele através de sonhos e memórias de tantos anos trabalhando juntos.
Humberto Campana nasceu em 1953, em Rio Claro, cidade a apenas 70 km de Brotas, onde Fernando viria a nascer em 1961. Seu pai, Alberto, era agrônomo, filho de italianos, “um homem bonito”, não raro confundido com o ator Jardel Filho (1928-1983), ao ponto de dar autógrafos, conta Humberto. Sua mãe, Célia, era uma professora primária, um tanto ausente, cansada da lida com as aulas de alfabetização que chegavam a reunir 40 crianças.
Na infância, ele “ia buscar afeto no colo da avó [materna]”, Laura, também em Brotas. Numa morada de dimensões generosas como a matriarca. “Havia umas três pessoas carentes que, todos os dias, no mesmo horário, iam lá pedir comida. Ela acolhia todo mundo, era bondade pura”, diz Humberto, que dedicou uma catedral de bambu, o primeiro pavilhão do Parque Campana, à avó.
Na casa, conta Humberto, ele “pintava o diabo”: fazia cabana à sombra de um abacateiro gigante, brincava de circo, chegara a sonhar em ser trapezista. “Quebrei cabeça, quebrei pé, tudo”, lembra. “Também adorava arco e flecha, os objetos de rituais indígenas. Eu queria ser índio.”
No quintal, também havia horta, galinha, peru, porco, sapo e até uma siriema, que circulava pela cidade, por vezes dava seus ares por ali, com suas pernas longas, pulava com destreza a cerca curta, ainda hoje lá. Anos depois, um primo a transformou numa pousada, a Villa do Conde, que abrigou a equipe responsável pelo ensaio fotográfico que ilustra estas páginas.
Entre os anos 1960 e 1970, em plena ditadura, Humberto tomava conhecimento do mundo também na casa da avó, fosse em sua biblioteca ou nos jornais. Lembra-se de ler sobre Lina Bo Bardi, sobre o grupo de teatro experimental americano The Living Theatre, preso durante o Festival de Inverno de Ouro Preto por porte de maconha.
Em suas idas a São Paulo, queria ver teatro. Numa excursão escolar à Feira Nacional da Indústria Têxtil, a Fenit, que abrigava o show-desfile Momento 68, pela primeira vez Humberto ouvira Caetano Veloso cantar Tropicália e Milton Nascimento entoar Viola enluarada, canção de protesto composta por Marcos e Paulo Sérgio Valle. “Eu tinha uns 14, 15 anos, e fui me educando com isso.”
Em Brotas, aos domingos frequentava a missa na Paróquia de Nossa Senhora das Dores, bem no centro da cidade. Enquanto os padres faziam seus sermões, Humberto admirava os vitrais italianos da igreja. “Eu ficava olhando a luz do sol batendo naqueles vidros âmbar, azul-escuro, verde. Ficava vendo aquela intensidade, a sombra colorida projetada no chão da igreja. A magia daquilo me fascinava”.
Humberto conta que, no entanto, não me sentia pertencendo àquele lugar. “Minha alma já era de artista, mas eu não sabia.” Conta que tinha uma sensibilidade muito aflorada, que não lhe permitia se conectar com pessoas que gostavam de futebol, de churrasco. “E muitas vezes se confunde sensibilidade com fragilidade. Eu era visto como um cara frágil dentro dos padrões da época. Então eu me isolei. Lia muito. Monteiro Lobato, Graciliano Ramos, Fernando Pessoa, Eça de Queiroz, Aldous Huxley, Carlos Castañeda.”
Um de seus principais interlocutores à época era um primo mais velho, Roberto Piva (1937-2010), poeta polêmico e figura sempre muito ativa na cena cultural paulistana. “Fernando e eu ficávamos sentados com ele na mureta de uma casa neoclássica azul, que pertenceu a nosso bisavô, e o Roberto falava os poemas dele, contava das viagens de ácido e das orgias que frequentou. Ele embutiu na gente a semente da loucura, esse espírito de ser singular. Como poeta, ele não era ligado aos concretistas, fez um caminho solo bem particular. Roberto era puro delírio.”
Em 1971, Humberto se mudou para São Paulo. Mas ser artista era correr o risco de ser preso. “Meu pai morria de medo. A gente teve parentes que sumiram”, recorda. “Então escolhi o caminho mais fácil, [do Direito] da São Francisco, porque eu lia Lygia Fagundes Telles, Fagundes Varela, os poetas românticos, todos estudaram lá e não foram advogados. Dentro da minha ingenuidade, eu achava que ia encontrar um ambiente de literatura. Encontrei um ambiente completamente careta, chato e aguentei cinco anos.” Formado, Humberto nunca exerceu a profissão.
Naqueles anos 1970, a Bahia era um ímã para espíritos livres. Mas Humberto não chegou a ir a Arembepe, praia a menos de 50 km de Salvador, onde uma comunidade hippie recebeu visitas ilustres, como Mick Jagger e Janis Joplin. Recém-formado, fora chamado por um amigo para ser advogado de uma cooperativa de cacau em Itabuna, a irmã menos formosa de Ilhéus. Vizinhas, ambas cidades viveram o auge do ciclo cacaueiro entre o fim do século XIX e o início do XX.
Humberto conta que a cidade, onde ficara por um ano, era feia e triste, mas aquela fora a melhor fase de sua vida. “Eu cortei o cordão umbilical. A Bahia naqueles anos era incrível.” À época, o designer conheceu o mítico casal baiano (Divaldo Angelin) Veras e Popó Muniz, cujo pai, Edízio Ferreira Muniz, tinha 300 fazendas de cacau, o que chegou a torná-lo o maior produtor individual do fruto no planeta.
Na fazenda do casal, em Ipiaú, hospedaram-se Mick Jagger, Pelé, o grupo de teatro e dança Dzi Croquettes e seu criador, o bailarino americano Lennie Dale, responsável pela coreografia que rendeu a Elis Regina o apelido de Eliscóptero quando apresentou Arrastão, de Edu Lobo e Vinicius de Moraes, canção vencedora do 1º Festival de MPB da TV Excelsior, em 1965.
“Era tudo gente igual a gente. Então aquilo me libertou também. A Bahia tem esse poder de dar liberdade. E então eu comecei a fazer espelhos de conchas. Não me servia ser advogado, por um terno naquele calor”, conta. Admirador de artistas como o inglês Henry Moore (1898-1986) e o ítalo-brasileiro Victor Brecheret (1894-1955), Humberto queria entalhar a madeira, trabalhar o mármore. Ele foi, então, apresentado a Osmundo Teixeira, escultor baiano natural de Itabuna, comparado a Aleijadinho, sendo que sua produção em cerâmica, com santos, oratórios e orixás, reflete o sincretismo religioso baiano.
Osmundo, que hoje mora em Lisboa, ensinou Humberto a fazer espelhos de conchas. Em busca de sua matéria-prima, ele ia para cidades praianas vizinhas, como Olivença, Itacaré e, claro, Ilhéus. Viajava de ônibus, acampava em seus destinos. Catava as conchas, de tamanhos e cores diferentes, lavava-as com um ácido. Fizera o mesmo no norte do Brasil.
De Itabuna, mudou-se para São Paulo, onde fez cursos de escultura em argila e terracota, assim como de metal. Lançava-se a criar peças abstratas, mas ainda não abrira mão dos espelhos de conchas, que comercializava em lojas de departamento como Mappin e Mesbla, ou lojas menores, como a Cleusa Presentes e a Mickey. “E aí fui ampliando o meu vocabulário, meu repertório, fazendo bandejas de bambu, abajures, cestos de bambu etc.”
Enquanto isso, oito anos mais novo, Fernando estudava arquitetura na Faculdade de Belas Artes, onde tinha aulas com Renina Katz, Marcello Nitsche, Flávio Império, grandes nomes das artes no Brasil. “Eu tinha um estúdio no quintal da casa em que morava no Pacaembu. Já eram os anos 1980, e o Fernando veio para me dar bom gosto e ajudar a fazer nota fiscal, distribuir as encomendas. Ele viu um campo fértil em todo aquele material e começou a fazer as coisas dele. O primeiro objeto, de design mesmo, foi ele quem fez: um porta-retrato curvo, feito com uma chapa de alumínio, pintado de preto.”
Fernando namorou à época o designer Fulvio Nanni (1952-1995), figura-chave para a renovação do móvel brasileiro, na década de 1980, por meio de sua loja na rua Augusta, a Nanni Movelaria, que teve Claudia Moreira Salles e Etel Carmona entre seus criadores e parceiros. “O olhar do Fulvio garantiu que a gente estava no caminho certo. Foi uma validação.”
Em 1984 nasceu o Estúdio Campana. Mas Humberto e Fernando não se encaixavam no espírito funcionalista que marca o design brasileiro à época. “Tudo era muito igual”, afirma. Os irmãos admiravam e respeitavam os móveis de madeira de Sergio Rodrigues e Joaquim Tenreiro, mas não se sentiam fazendo aquilo.
“A gente tinha aquele espírito da Lina e do Niemeyer. Ambos eram modernistas, mas iam além daquilo, contavam histórias. Eu via as cenografias da Lina e via a nobreza que ela dava à cultura construtiva popular brasileira. A gente sempre pensava, ‘poxa, o Brasil é um país tão colorido, tão cheio de vida. Será que a gente se resume a linhas retas, racionais, europeias? Eu queria fazer alguma coisa que fosse singular.”
Do pai agrônomo, os Campana herdaram uma preocupação ecológica que repercutia diretamente em sua produção. Alberto reclamava do desperdício de água ou luz, ensinara aos filhos a plantar árvores. “A gente pegou amor pela terra. Tinha de haver outras formas de fazer um móvel sem derrubar uma árvore. E eu queria contar uma história, fazer um retrato de onde eu venho”, afirma.
Humberto faz uma pausa e pondera que talvez fosse sua “incapacidade de ser matemático” que não lhe permitira seguir o caminho do móvel modernista. “Ele requer muita razão”, diz. “É uma coisa que descobri agora, aqui, como numa sessão de psicanálise. Já que eu não conseguia fazer daquele jeito, ia fazer do jeito errado, começar a valorizar o erro e potencializá-lo.”
Dessa limitação de ordem cartesiana, por assim dizer, nasceu em 1989 a coleção de móveis do estúdio, a Desconfortáveis, que teve origem nas cadeiras Positivo e Negativo, feitas de chapas de ferro, sem revestimento ou pintura. Expostas na galeria Nucleon, em São Paulo, as cerca de 30 peças eram “brutas, tiravam partido da imperfeição”. A mostra teve boa repercussão na imprensa, de jornais a revistas especializadas em design, mas “não vendeu nada e a gente ficou conhecido como os Irmãos Desconfortáveis. Isso escuto até hoje”, afirma. Mas a exposição chamou a atenção de um jornalista italiano, Marco Romanelli, então editor da Domus, uma das mais prestigiosas publicações sobre design no mundo, que em 1990 dedicou seis páginas à produção da dupla.
Em 1993, os irmãos Campana criaram a poltrona Vermelha, que a Edra viria a produzir e comercializar internacionalmente cinco anos depois. Esse foi o grande ponto de inflexão na carreira de Fernando e Humberto, dos pontos de vista institucional e mercadológico: a poltrona Vermelha entrou para o acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, e suas peças estão presentes ainda nas coleções do Centre Georges Pompidou (Paris, França) e do Vitra Design Museum (Weil, Alemanha). Em 2017, começaram a desenhar peças exclusivas para a linha de decoração Objets Nomades, da Louis Vuitton.
A busca por materiais insólitos levou os irmãos a criarem com varetas de alumínio, papelão e borracha, matéria-prima da luminária Estela, que a italiana Oluce editou em 1997. Foi nessa época, numa passagem por Milão, que a empresária Sonia Diniz tomou conhecimento da produção dos Campana. Resolveu trazer a peça para a sua loja em São Paulo, a Firma Casa, e lhes assegurou: “Tudo que vocês fizerem lá fora, eu vou trazer de volta para o Brasil.”
Sonia conta que, ao longo de décadas de parceria com os Campana, sempre escutava alguém perguntar qual dos dois era mais criativo. “Eu respondia que o trabalho era simbiótico, mas a criatividade era comum aos dois. Humberto pegava um arame, começava a entortar e mexer, daí o Fernando chegava e dava uma ideia, experimentavam juntos, e então nascia uma peça”, conta. “Mas essa simbiose foi cortada.”
Para Sonia, Humberto está num processo realmente muito difícil, vem retomando trabalhos que havia começado com Fernando, como as novas experimentações com sobras de fundição alumínio, propostas do irmão que Humberto de início não havia gostado tanto, mas que resultaram na escultura Coração Coroado, que ele criou para a comemoração dos 30 anos da Firma Casa, e em mobiliários para a loja-conceito que a Tiffany & Co. abriu no Shopping Iguatemi, no fim do ano passado.
A entrevista já dura uma hora, tempo previsto para acabar. Humberto, que completa 73 anos neste mês de março, tem hora marcada com seu personal trainer ali mesmo, em seu estúdio, na Pompeia. Mas resolve prolongar a conversa por mais 30 minutos. Há assuntos pendentes, como o único projeto residencial que assinaram, uma casa de três andares, para a amiga e empresária argentina Solange Ricoy. No Jardim América, a morada fora encomendada em 2008 aos irmãos e finalizada cinco anos depois. Em sua fachada, um material precioso para os Campana, a piaçava, que já haviam utilizado para forrar o prédio da Bienal, na São Paulo Fashion Week de 2013.
Em entrevista dada a este repórter em 2022, Humberto afirmou que o material criava “um portal para um novo mundo. Assim que se entra na casa, experimenta-se “uma limpeza da alma através dessa parede vegetal, que lava a poluição sonora e visual, como se você estivesse entrando em um ser vivo”, disse ele.
Já Fernando destacou que a morada utilizava materiais sustentáveis ou reaproveitados, e contava a história de suas origens, “transmitindo a sabedoria da cultura vernacular às novas gerações de designers”, afirmou.
Solange diz que os irmãos não tiveram qualquer resistência ou hesitação diante do pedido para fazer um projeto residencial, algo inédito até hoje no portfólio do estúdio. O resultado, ela conta, “é uma casa muito particular, em que você reconhece os Campana não apenas num pedacinho, num objeto, mas em toda ela. A decoração inteira foi feita por eles, tem móveis emblemáticos, algumas únicos, como bancos inspirados na poltrona Vermelha, uma mesa de cobogó de terracota e peças da linha Sushi.”
Em outubro do ano passado, Humberto inaugurou o Parque Campana, num sítio pertencente à família, a 5km do centro de Brotas, que no passado abrigara criação de gado e plantações de café. Além de pavilhões, feitos de materiais naturais, como bambu, eucalipto, mandacaru, palha e agave, o projeto prevê a regeneração da área de 78 hectares, uma zona de transição entre os biomas de Mata Atlântica e Cerrado, em que o primeiro predomina.
Aflito para que o parque fique de fato pronto – 9 dos 12 pavilhões planejados já foram completados –, Humberto conta que tem feito uma série de desenhos, algo que aprendeu com Fernando – “e uma das muitas comprovações de que ele está muito próximo de mim”, diz –, para conter a sua ansiedade. “Estou com medo de morrer e não ver tudo aquilo crescer.” Além disso, faz psicanálise de matriz freudiana há 30 anos e se exercita todo dia. Ouve muita música: Ryuichi Sakamoto, Bach, Mozart, Bebel Gilberto. “Tudo menos sertanejo universitário, heavy metal e música evangélica.”
Fora do Brasil, os Campana são representados por galerias como a Friedman Benda, de Nova York, Carpenters Workshop Gallery, em Londres e São Francisco, e Galleria Giustini/Stagetti, de Roma. Em 2022, passaram a ser representados no país pela Galeria Luciana Brito, que já abrigou duas exposições com criações do estúdio. A Firma Casa, de Sonia Diniz, comercializa as coleções de ordem mais funcional, ainda que também fronteiriças com obras de arte.
Formada em artes plásticas na Faap, Luciana conheceu os Campana nos anos 1980, quando foi colega de Fernando num curso de monitoria da Bienal de São Paulo. Ela observa que sua formação e o perfil da galeria exprimem uma “preocupação com os limites da linguagem, da arte, das instalações, do design, da arquitetura, do paisagismo”. A representação, portanto, criava “um espaço mais expandido onde eles pudessem explorar as produções mais autorais”. Já na exposição inaugural, Polifonia Campana, a seleção de obras reforçava o “diálogo entre as disciplinas de arte e design” que caracteriza o estúdio.
Em breve, as técnicas e os materiais que marcam a produção do Estúdio Campana virão à luz na forma de um livro, Metodologia Campana, editado pelo próprio instituto que leva o nome dos irmãos. Trará textos de Humberto, fotos inéditas de seus trabalhos. É mais uma coroação dos 40 anos de trajetória do estúdio, e, de forma especial, das motivações objetivas e subjetivas que sempre atravessaram os processos criativos de Fernando e Humberto.
“Eu sou uma pessoa muito tímida, e criar estas peças é um meio de comunicação para mim. Esse caminho que eu escolhi, do fazer manual, é como uma religião, no sentido que eu dou o melhor de mim. Consigo embutir afeto”, afirma. “E é algo que está em consonância com a contemporaneidade. O planeta não precisa de mais um móvel. Só se ele estiver embutido de amor, puder mudar a vida de alguém, contaminar com alegria, com sorriso, ou com uma história, até mesmo de protesto.””