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O que eu aprendi: Luisa Strina

“A vida social é um dos segredos desse negócio: quem não gosta de festa, jantares e conversa fiada não vai vingar”

Foto: Bruna Lucena

 

Se tem uma coisa que a vida me ensinou é que a arte sempre gosta de nos enganar. Uma vez fiquei meia hora contemplando uma peça pensando que era a obra, mas depois descobri que era o carrinho do zelador do museu. Mas quer saber? Aquela meia hora foi transformadora! A arte é isso: ela pega a gente pelo inesperado e nos faz rir de nós mesmos.

O humor é um dos nossos melhores aliados. O certo é que nada desarma uma crítica ácida como um comentário inesperado e um sorriso sincero. Ganhei fama de brava com o passar dos anos, mas isso é porque às vezes é preciso se fechar um pouco diante de todas as demandas da intensa sociabilidade do mundo da arte. A vida social é um dos segredos desse negócio: quem não gosta de festa, jantares e conversa fiada não vai vingar aqui. Também é preciso ser gentil, mas firme. Você pode ser amiga de todo mundo, mas precisa saber dizer não com elegância.

Aprendi também a valorizar as pequenas coisas da vida como uma xicrinha de café recém-passado. Acredito que um bom café pode salvar o dia tanto quanto a descoberta de uma raridade esquecida do mercado secundário. O importante é saborear o momento, mesmo que seja complicado manusear a xícara com o telefone em uma mão e um catálogo na outra.

Aliás, aprendi nesses anos que o telefone é uma extensão do corpo de qualquer galerista. Já passei horas intermináveis nele, negociando exposições, resolvendo crises de transporte de obras ou simplesmente ouvindo histórias fascinantes — ou às vezes hilárias — de artistas e colecionadores. O telefone, para mim, sempre foi uma ferramenta tão essencial quanto a iluminação certa em uma sala de exposição.

Isso me faz lembrar do Andy Warhol, que tinha uma relação bastante íntima com o aparelho. Ele dizia que adorava fofocar ao telefone, e eu entendo perfeitamente. O telefone é uma espécie de confessionário moderno, onde as pessoas se sentem à vontade para abrir o coração — ou conspirar um pouco. Quem nunca usou o telefone para salvar uma venda de última hora ou apoiar um artista quando quer experimentar algo novo? Acho que Warhol tinha razão: o telefone não é apenas um meio de comunicação, é também um palco, onde grandes performances acontecem. Se eu pudesse contar todas as histórias que já ouvi ao telefone, daria um romance ou um filme. Um thriller cheio de intrigas.

A vida também me ensinou que o vazio pode ser um espaço cheio de possibilidades. Uma vez, organizamos uma exposição que investigava a desmaterialização radical do objeto de arte, com trabalhos conceituais bastante sutis que muitas vezes poderiam passar despercebidos por um visitante desatento. Algumas pessoas acharam que tínhamos esquecido de instalar as obras. No fim, era sobre isso mesmo: o que a gente projeta no que não está lá. Porque o vazio, na verdade, nunca é vazio. Ele é um espelho. Diante dele, somos confrontados com nós mesmos.

E, claro, a idade traz sabedoria, mas também uma canseira danada. O que importa é continuar curiosa — e, se possível, com sapatos confortáveis. Feiras de arte são como maratonas: se você não estiver preparada, seus pés (e sua paciência) não irão sobreviver.

Enfim, se pudesse resumir tudo, diria que a vida me ensinou a rir do improvável, abraçar o caos e deixar a arte me guiar. Ah, e nunca me levar a sério demais. Nem subestimar o poder de uma boa xícara de café.

Luisa Strina é galerista e colecionadora de arte brasileira, considerada uma das figuras mais influentes do mercado artístico do país. Em 2024, a galeria que leva seu nome, em São Paulo, completou 50 anos de atividade. Entre os artistas que ela representa estão alguns dos mais importantes nomes nacionais das artes visuais, como Anna Maria Maiolino e Cildo Meireles, e estrangeiros, a exemplo de Olafur Eliasson e Robert Rauschenberg.